Ode to O'Brien
Desde 1996 que vejo com assiduidade Late Night with Conan O'Brien.
O meu primeiro contacto com o programa ocorreu quando fiquei a tomar conta da casa de uma amiga, por um período alargado, enquanto ela viajava. Tinha TV Cabo. Eu não. Regava as plantas, abria as janelas, dava de comer aos hamsters (bichinhos palermas que passavam o dia a correr na roda). Via um pouco de MTV, um pouco de VH1 (ambas com maior qualidade na época, ou eu com padrões de exigência mais baixos). Na altura, no alinhamento de canais, tínhamos a NBC com as suas série de sucesso: Profiler, Pretender, várias sitcom. Mas a minha atenção logo se desviou da programação que aproveitava para ver, para um ruivo magricela de origem irlandesa com quase dois metros de altura.
Uma banda de sete elementos a tocar um swing rasgado. Uma entrada em estúdio aos pinotes, dando voltas e reviravoltas em sintonia com a batida da bateria de Max Weinberg (director musical do programa e baterista de Bruce Springsteen).
Um dos primeiros argumentistas e produtores da série The Simpsons, O'Brien trazia um modo completamente diferente de fazer talk shows e de fazer comédia. Na altura com o seu amigo Andy Richter, o programa atingia níveis de loucura que são difíceis de explicar. Para os mais habituados às cumplicidades entre os dois, podíamos vê-los divertir-se a fazer sinais um ao outro quando detectavam que o convidado já tinha feito uma cirurgia plástica. Um cativante estilo de improvisação e uma capacidade de ir até aos limites e às vezes de ultrapassá-los, o que lhes deu direito a vários processos em tribunal, ao longos dos anos.
Desde então, o programa foi fazendo parte dos meus serões da semana. Mais tarde, ao fim de semana em compacto, quando passámos a ter CNBC (com o mau som que caracteriza o canal) perdido no meio de informações sobre o índice Dow Jones.
A modéstia de O'Brien, que muitas vezes roça a auto-crítica, esconde factos como a sua licenciatura em Harvard "Don't get it wrong. It was Harvard driving school?". O carinho das pessoas vê-se nos presentes que recebe como, por exemplo, uma guitarra eléctrica com uma caricatura sua, as cartas de presidiários que agradecem a sua boa disposição diária, que alegra a sala de televisão da prisão. Fui seguindo tudo até acontecimentos mais recentes como o seu casamento, o nascimento da sua filha Neve (que completou esta semana um ano de idade) e a sua recente nomeação para sucessor de Jay Leno como apresentador de The Tonight Show, passagem de testemunho que irá acontecer em 2009.
Foi nesse programa que vi entrevistas com realizadores de cinema independente que me levaram a descobrir filmes que marcaram a minha vida, stand-up comedy irreverente, novas bandas que não conhecia ou bandas que conhecia mas que ainda não tinha tido hipótese de ver.
Chamei a atenção de alguns amigos para o programa mas nunca ninguém achou grande piada à coisa. Na verdade, não perderam nem cinco minutos a ver. Não gostavam de talk shows, não lhes atraía o formato. E foi assim que o programa, embora visto por 2.5 milhões de pessoas por dia, se tornou num prazer intimo e solitário meu. Até agora.
É com grande tristeza que descubro que o programa vai ser transmitido pela SIC Comédia. Não será o mesmo ver o Conologue (monólogo de Conan, ou como ele lhe gosta de chamar The Laugh Zone) com legendas em português. Será agora visto por muito mais gente. Será camp. Será fashionable. Será conversa de café. E já não será meu.
Parafraseando um outro blog, "eu hoje acordei assim".
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